Reflexão *

Na medida que diminuímos o Cristianismo, aumentamos a cristandade institucional e burocrática

Ele parecia com Jesus. Enfeado pelo sofrimento e sem onde reclinar a cabeça, em tudo lembrava o Nazareno. Enfim, era impossível não ver no evangelista indiano o judeu do Evangelho. No cumprimento de sua missão, sabia que era tarefa nada fácil saciar a sede espiritual da vasta e populosa Índia. 

Não porque a água da vida fosse pouca, mas porque as vasilhas não eram muitas. E as que se achavam disponíveis nem sempre agradavam à sua gente. Por isso, numa conferência pronunciada em 1922, Sadhu Sundar Singh aconselhou aos que almejavam fazer missões em seu país: “Se você deseja dar a água da vida ao povo da Índia, faça-o em um copo indiano”.

Como era o copo de Sadhu? Nascido em 1889, num vilarejo distante e recuado do Punjab, seu encontro com o Senhor não constou apenas de proposições doutrinárias. Foi real, marcante, traumático. Tão logo experimentou da água da vida, saiu a distribuí-la pelas aldeias e vilas indianas que, miseráveis e desprezadas, perdiam-se nas fronteiras da ignorância e da idolatria.

Sadhu empenhou-se, além de suas forças, para ganhar a gente indiana para Cristo. Tendo sempre como exórdio uma parábola hindu, ou um ditado que não era estranho à sua audiência, ia ele deitando a água da vida em vasilhas que não escandalizavam nem os orgulhosos marajás, nem os párias que se arrastavam pelas ruas de Déli. 

A mensagem evangélica, embora vinda ao mundo num ambiente tipicamente judaico, era proclamada, por ele, como se tivesse a Índia por nascente. Mas, em Londres, não dispensou uma chávena inglesa.

Não sabemos quando exatamente ele morreu. Dizem que foi em 1929, ao sopé do Himalaia. Não poderia haver lugar mais apropriado para um peregrino ser recolhido à Casa do Pai.  

O problema não é o copo, mas o conteúdo

Neste momento, não estou muito preocupado com xícaras e taças, pois temo-las às centenas. E, a cada dia, novos modelos saltam de nossas pranchetas teológicas. Minha maior preocupação, agora, é com o conteúdo que vimos despejando nessas vasilhas. Receio ser uma imitação barata e adulterada da água da vida.

Hoje, até que as vasilhas não são rejeitadas, pois adequamo-las às nossas urgências eclesiásticas. Afinal, aprendemos bem depressa a ser social e politicamente corretos. 

Temos inclusive copos ecológicos, onde despejamos mensagens não propriamente degradáveis, mas degradantes aos olhos de Deus. E, na ânsia por agradar a todos, a ninguém dessedentamos. Sem o percebermos, começamos a praticar um evangelismo destituído do Evangelho.

Na medida que diminuímos o Cristianismo, aumentamos a cristandade institucional e burocrática. E, por tais escaninhos, a água da vida dificilmente flui. Se logra chegar a alguma bica, tem de ser recolhida a conta-gotas. 

Não bastasse, há sempre alguém para açucará-la. Dessa forma, vamos apresentando um Jesus diferente do Cristo de Deus. Sim, um Jesus que abençoa e prospera, mas não proclama as reivindicações básicas da vida cristã: arrependimento, justiça, retidão e amor.

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Por Claudionor de Andrade