Resistência afegã está a juntar forças no vale, que nunca caiu nas mãos dos soviéticos nem dos talibãs. © Ahmad SAHEL ARMAN / AFP

Ahmad Massoud, filho do líder da Aliança do Norte morto dois dias antes dos ataques do 11 de Setembro, retoma a luta do pai e apela ao apoio da comunidade internacional. 

"Escrevo hoje do vale de Panshir, pronto a seguir os passos do meu pai, com combatentes mujaedines que estão preparados para, mais uma vez, enfrentar os talibãs." Há duas décadas, o impenetrável vale a nordeste de Cabul, que não caiu nas mãos dos soviéticos nos anos 1980 nem dos talibãs já nos 1990, era o bastião da Aliança do Norte, fundada e liderada por Ahmad Shah Massoud - que seria morto pela Al-Qaeda dois dias antes dos atentados de 11 de setembro de 2001. Agora, é de novo o berço da oposição aos talibãs, com o seu filho a apresentar-se como líder da Frente Nacional de Resistência do Afeganistão. Até quando resistirá? 

Ahmad Massoud, que nasceu no "vale dos cinco leões" há 32 anos e estudou em Londres, escreveu um artigo de opinião no The Washington Post a explicar que a resistência tem armamento que tem vindo a "armazenar pacientemente" desde os tempos do seu pai, "porque sabíamos que este dia chegaria". Além disso, diz contar com o apoio de muitos afegãos que responderam ao seu apelo inicial para se juntarem à luta, incluindo soldados "enojados" com a rendição dos seus comandantes aos talibãs, que conquistaram o país numa ofensiva de dez dias quase sem resistência, e ex-membros das Forças Especiais afegãs. 

"Mas isso não é suficiente", afirmou, apelando à comunidade internacional para ajudar com mais armas. "Os talibãs não são só um problema do povo afegão. Sob o controlo talibã, o Afeganistão irá sem dúvida tornar-se no epicentro para o terrorismo radical islamita. Planos contra as democracias serão desenhados aqui mais uma vez", acrescentou o filho do falecido "leão de Panshir", reconhecido oficialmente desde 2019 como tendo sido um herói nacional.

Ahmad Shah Massoud, líder da Aliança do Norte, anti-talibã, morto em 2001 e o filho, Ahmad Massoud, líder da Frente nacional de Resistência do Afeganistão. © Montagem Fotos Arquivo AFP

Além de Massoud, a resistência é liderada também por Amrullah Saleh, um seguidor do antigo líder da Aliança do Norte que foi ministro do Interior a partir de 2018 e era vice-presidente do Afeganistão desde fevereiro. Com a fuga do chefe de Estado Ashraf Ghani, na segunda-feira, Saleh diz ser ele o presidente interino legítimo do país. Junto com ele está também o antigo ministro da Defesa, Bismillah Khan Mohammad, que também serviu sob Ahmad Shah Massoud. 

Os três são afegãos-tajiques, o segundo maior grupo étnico no país. O Tajiquistão, ex-república soviética, apoiou a invasão do vizinho Afeganistão pela URSS em 1979, mas devido aos laços que havia entre os povos, muitos tajiques juntaram-se à luta dos mujaedines. Após a retirada soviética do Afeganistão em 1989, apoiaram a luta contra o líder comunista do Tajiquistão, Emomali Rahmonov (ainda no poder), com o presidente afegão, Burhanuddin Rabbani (um tajique-afegão), a prestar auxílio aos anticomunistas do outro lado da fronteira. Rabbani seria deposto pelos talibãs em 1996, acabando por conseguir um acordo que pôs fim à guerra civil no Tajiquistão e garantir o apoio do país à causa da Aliança do Norte - uma coligação que se opunha ao governo talibã. 

A nova Aliança do Norte?

A aliança, que controlava todo o norte do Afeganistão, contava também com o apoio da Índia (o rival Paquistão é um dos principais apoiantes dos talibãs, que nasceram nas madrassas do país), da Rússia, do Irão, da Turquia, do Usbequistão e do Turquemenistão. Após os atentados do 11 de Setembro de 2001, os militares norte-americanos lutaram ao lado da Aliança para derrubar os talibãs. 

Nenhum dos países que apoiava a Aliança do Norte mostrou ainda as cartas do que pretende fazer agora, com a Rússia (tal como a China) a estender laços com os talibãs e a indicar que não pretende retirar diplomatas ou cidadãos do país. Mas o chefe da diplomacia, Serguei Lavrov, chamou a atenção para o que se passa no vale. "Os talibãs não controlam todo o território do Afeganistão", afirmou. "Há relatos da situação no vale de Panshir, onde a resistência do vice-presidente Saleh e de Ahmad Massoud está concentrada", acrescentou. A Índia também negociou com os talibãs a saída com segurança dos seus diplomatas. 

O atual problema com a resistência no vale de Panshir é que este é atualmente um enclave no meio de território controlado pelos talibãs, que nesta ofensiva conquistaram rapidamente as províncias do norte do país - sendo que contam normalmente com o apoio a sul, da maioria pastunes. Desta forma, cortaram eventuais corredores de apoio que possam existir no vale - seja de armas, de comida ou outros bens essenciais. Além disso, os talibãs ficaram com os despojos de guerra dos norte-americanos e dos aliados da NATO, que durante anos armaram o exército afegão e deixaram para trás um arsenal invejável. 

Mas a resistência afegã poderá não se ficar apenas pelo vale de Panshir. Ontem, Dia da Independência do Afeganistão (dos britânicos, em 1919), manifestantes saíram às ruas com as bandeiras tricolores (preta, vermelha e verde). Na véspera, um episódio em Jalalabad onde foi içada a bandeia afegã após ser retirada a bandeira branca dos talibãs (que tem passado a figurar em todo o território entretanto conquistado) terminou em três mortos, quando os militares usaram munições reais para dispersar a multidão.

Por Susana.F.Salvador/DN.PT