A Igreja de São João Baptista e duas Universidades da capital belga acolhem um protesto de centenas de pessoas que exigem a legalização, após anos, e até décadas, no país.



O diretor dos Médicos do Mundo já alertou para o risco de haver mortes entre as várias centenas de pessoas que estão em greve de fome há dois meses na Bélgica. Exigem a legalização, depois de anos e até décadas no país.

Nos últimos dias o protesto radicalizou-se e desde sábado, um grupo de uma centena de pessoas, maioritariamente magrebinos, iniciaram uma greve de sede.



A Igreja de São João Baptista, em Bruxelas, abriu as portas para acolher solidariamente estas pessoas, que desde 23 de maio dormem no chão da igreja e de duas universidades.

Queixam-se de ausência de abertura das autoridades para que seja encontrada uma forma de legalização, e a situação degrada-se cada vez mais.

"É a minha terceira greve de fome", atira Arsen. "Estou há 27 anos na Bélgica, estou a chegar do hospital, por causa da minha situação de saúde", comenta num discurso que por vezes perde a sequência: "Sou um pai de família, o que estou aqui a fazer?"



Há quatro dias ele e cerca de uma centena de pessoas juntaram aos dois meses de greve de fome uma arriscada greve de sede. É com dificuldade, com o corpo meio dobrado, amparado no braço de um voluntário, que Farid chega perto do colchão improvisado no chão da igreja. "Estou aqui desde janeiro", afirma, referindo-se ao momento em que decidiram endurecer o braço de ferro com as autoridades belgas. "Desde 23 de maio de 2021 que estou em greve de fome. E desde sábado em greve de sede". É na Bélgica que tem "toda a família". Por isso, recusa-se a deixar o país, para onde "veio trabalhar legalmente há 15 anos".

Nas paredes da Igreja, há cartazes a reclamarem o direito à legalização destas pessoas que ficaram "sem papéis". Há também avisos que alertam para o risco e para as consequências da privação de alimentos. Mas Farid afirma que está determinado a "ficar, até ter uma resposta".

Há dezenas de pessoas debilitadas pelo protesto, em camas improvisadas, com esponjas e colchões no chão. A privacidade é partilhada entre cartões e lençóis a fazerem divisões.

Ao todo, entre a igreja e as instalações de duas universidades, são 470 pessoas em greve de fome. Desde 2013 que iniciaram negociações com as autoridades para lhe ser reconhecido o direito de legalização, depois de uma manobra legal os ter deixado sem papéis. Em janeiro iniciaram o protesto, com a ocupação dos três locais, por "recusa das autoridades em negociar", afirma Ahmed, um trabalhador da construção, há 17 anos na Bélgica.

"O problema é que a antiga regularização não estava ligada ao trabalho, mas ligada ao empregador. O que quer dizer que se tem de permanecer com o patrão durante cinco anos", afirma Ahmed, lamentando que as consequências redundem quase sempre no prejuízo para quem depende do empregador para ter uma existência legal sobre o território. "Ele explora-te, porque se perderes o teu patrão, perdes os teus papéis. Não tens o direito de ir procurar outro emprego. Se perdes o patrão perdes o emprego", afirma. "O que queremos é o direito a um trabalho, sem estarmos sujeitos a uma exploração".

A igreja de São João Baptista já acolheu quatro greves de fome. "Temos um papel social", afirma o Padre Daniel Aliet, dizendo que já acolheram um protesto "pela minoria curda" e que abriu "portas aos sem abrigo".



Aliet afirma que estas pessoas estão numa situação de "dependência", muitas vezes sem perceberem "porque muitas têm um emprego a tempo inteiro, nas horas trabalhadas, mas metade são pagas 'dans le noir' [ilegalmente]".

A consequência é que no final dos anos, é-lhes dito: "você não tem tempo de trabalho suficiente, e ao fim de dois anos, é-lhes retirado o título de residência, e ficam sem papéis". "São estas pessoas que iniciaram esta ação, que tem dois anos de preparação, e há outro projeto que leva já dez anos. O vice-primeiro ministro disse-lhes que os legalizava, e acolheu a minha proposta para os receber. Mas, depois, disse não, nada. E cada um tem de seguir um processo individual", lamenta o pároco.

O padre Daniel Aliet esperava, pelo menos, que as autoridades belgas tivessem seguido outro modelo, em que "Portugal é um exemplo, pois durante a pandemia disse que todos os que estão sem papéis, e têm um dossier aberto, são provisoriamente aceites".

Entretanto, o diretor dos Médicos do Mundo, Michel Genet, alertou para o risco de "haver mortes, em 24 ou 48 horas", desde o início da greve de sede de uma centena de pessoas.

"Haverá um ou vários casos dramáticos", alertou Michel Genet, para quem a situação é "verdadeiramente crítica", e é necessário "um sinal político a todo custo para que acabem com a greve de fome e sede", caso contrário "em um ou dois dias, haverá uma ou mais tragédias", afirmou à imprensa em Bruxelas.

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Por João Francisco Guerreiro/DNPT